segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O Cogumelo Errante e A Árvore das Multifacetas


Num encontro marcado entre dois amigos de longa data, o Cogumelo precipitou-se:
- Por que me censuras, quando o que ansio de ti é um largo sorriso de parabenização? Por que não finges que a vida também nos oferece prazeres dos quais possamos descontar sua infindável fonte de incertezas e de caprichos de modo a contabilizar um saldo positivo? Por que, enfim, tu não permites eu me regozijar de uma vitória, ainda que em seguida prove do gosto perturbador da culpa que acompanha o insucesso?


- Tu, a quem cubro de presentes e alivio às necessidades básicas de uma vida vazia, deves aprender que as chances de um amor residem na sua história como um todo. Desde o primeiro encontro, os que se propõem a compartilhar uma vida no futuro precisam encontrar no outro a constante satisfação tanto de seus desejos, quanto de suas necessidades mais reais.


- Então não nos aceitas por ter o nosso encontro, embora arrebatador e aparentemente próspero em função de interesses e de sonhos em comum, fugido de tua lei formal? Afinal, quem te consideras para propor uma teoria sobre o amor? Serás uma bem-sucedida nesse sentido ou exatamente o contrário?


Ressentida, adianta-se a Árvore:
- Tu bem sabes que nada me falta: oficializei meus sentimentos há muitos anos, quando ainda eras garoto, e hoje tenho filhos. Confortavelmente, vivemos na mais bela casa de toda esta cidade, de maneira que não me recordo ter tido arrependimentos.


- Mas que grande negócio! –falou o Cogumelo, aturdido, ao passar os dedos pela barba rala.


- Vamos, não me sejas hipócrita! Imagina que agora, em minha maturidade, penso ser o amor nada mais que o sentimento de não se estar sozinho. Entretanto concordo contigo quando despejas críticas naqueles que nos rodeiam. É por eles, é pelo poder de destruição dessa massa curiosa e vigilante, que tudo fazemos num casamento. Por exemplo, queres dia mais tenso e entediante que aquele do almoço em família? Não se pode encher os pulmões e esvaziá-los ruidosamente sem que alguém não avente a possibilidade de um câncer pulmonar no porvir. Eu sequer fumo! Também os aniversários, as viagens, as boas notas escolares das crianças nada mais são do que o preço da paz.


Reconhecendo sinceridade e pesar nas palavras de sua amiga, o Cogumelo fez uma pausa; mas prosseguiu com sua campanha pela aprovação.
- Lembra-te do momento em que escolheste responder a todas as perguntas, satisfazendo a intromissão alheia?


- Meu caro, ninguém decide por viver uma vida de mosaico: feita de várias peças, umas diferentes das outras, cada qual aplicada numa base nua por artesãos (a nudez é a ausência de valores; representa a nossa infância). Essas peças, peculiaridades das personalidades de cada um, provêm da cultura, que depende do tempo e do espaço. Dessarte, há mosaicos reverenciados que remotam a épocas precedentes de Cristo, mas também aqueles que ensejam embates entre Estados; como é o caso da questão religiosa.


- Sim, parece irresistível que uma criança absorva, sem objeções, tudo aquilo que lhe é imposto como imprescindível para a sua sobrevivência num Coliseu monstruoso, do qual seus próprios pais são sócios.


E continuou... :
- O que, então, motiva-me a resistir? Terá sido uma falha no recrutamento administrado por meus pais?


Rindo-se da ingenuidade de Cogumelo, a Árvore retrucou:
- Não, não é tão sério! Tu apenas te debates nas águas das quais darás de beber a teus filhos. Resistes por seres jovem e, portanto, não sabedor das responsabilidades do cotidiano: manter a casa limpa, sentar-se à mesa com as crianças para ensinar-lhes as operações matemáticas e trabalhar durante horas para, simplesmente, conservar a geladeira cheia e estar em dia com as obrigações para com o Estado.


A despeito, porém, da convincente argumentação da amiga, furtivamente o Cogumelo gargalhou dando-lhe tapinhas por cima do ombro direito:
- A juventude, para alguns, não se confunde com alienação. Nem sempre somos dominados pelas imposições territoriais ou passadistas e, ademais, não te esqueças daqueles que têm a coragem de transcender às determinações que os cercam. Estes, normalmente, são considerados volúveis, já que, sedentos de desfrutar de tudo o que lhes parece interessante e energético, mudam de foco quando lhos convém, e retardados, por serem negligentes àquilo que lhos parece banal. São esses os criadores de cultura! Atacando cada canto das mentes fatigadas pelo marasmo do constante, pela planificação da vida, que deveria ser como o ar – todos os dias reaproveitado, mas mudado, e passível de purificação -, inovam de tal sorte a edificar inédita infra-estrutura, cuja massa, ainda frágil, será petrificada pelo ar que a secará. E é assim, minha amiga, que me desenlaço da idéia errônea de ser a imprevisibilidade um fator a ser subtraído dos prazeres – ela deve, sim, somar-se sob a terminologia “dádiva do elemento surpresa” – e que me desfaço do desejo de obter a tua aprovação a respeito de meu amor. Eu decido que o terei como escada para um novo modo de vida: isso significará a satisfação de minhas necessidades básicas e, automaticamente, a realização de meus desejos.
Por Natália Cavalcanti de Albuquerque.

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